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Teoria do Prospecto (ou Teoria da Perspectiva)

A teoria do prospecto é um dos principais marcos para o campo das finanças comportamentais. Este texto irá abordar como ocorreu o surgimento da teoria do prospecto, bem como suas principais características e impactos gerados para o campo das finanças.

Como surgiu a teoria do prospecto?

A teoria do prospecto (TP) foi desenvolvida por Kahneman e Tversky (1979) em resposta a teorias normativas sobre o processo de tomada de decisão em contextos econômicos / financeiros.

A TP ganhou grande repercussão com o passar dos anos, sendo que o artigo de 1979 é um dos mais citados em toda a história do famoso periódico científico “Econometrica”. Além disso, Daniel Kahneman foi laureado com o nobel de economia em 2002. Seu colega Amos Tversky já havia falecido.

Grande parte das teorias sobre tomada de decisão são normativas/prescritivas, como é o caso da teoria da utilidade esperada (TUE). Tais teorias buscam identificar qual seria a melhor decisão a ser tomada, ou seja, o comportamento ideal (Bernoulli, 1954; Friedman, 1948; von Neuman, 1953).

Na teoria da utilidade, a utilidade é obtida através da comparação de dois estados de riqueza. A teoria da utilidade esperada (TUE) considera que um ganho de R$ 500,00 possui a mesma utilidade que a desutilidade de perder a mesma quantia. Kahneman (2012) explica que uma das principais falhas desta abordagem é justamente não permitir que as utilidades para ganhos sejam calculadas de forma diferente do que para as perdas. A teoria da utilidade acabou por presumir, mesmo que de forma não intencional, que a distinção entre ganhos e perdas não importava.

No entanto, existe também um outro conjunto de teorias, as descritivas/positivas, as quais buscam compreender o comportamento real do tomador de decisões, como é o caso da teoria do prospecto (TP), desenvolvida por Kahneman e Tversky (1979).

Neste sentido, Tversky e Kahneman (1986) argumentam que os desvios do comportamento real dos indivíduos em relação aos modelos normativos são muito generalizados para serem ignorados, bem como muito sistemáticos para serem desconsiderados como erros aleatórios.

A teoria do prospecto se diferencia da teoria da utilidade esperada em diversos pontos. Primeiramente, ela destaca as diferenças entre os termos utilidade e valor: a utilidade é definida em termos de riqueza líquida, já o valor é dado em termos de ganhos e perdas, que por sua vez são definidos como desvios (positivos ou negativos) em relação a um determinado ponto de referência.

Outro ponto importante é que na TP a função valor para perdas é diferente da função valor para ganhos, pois no campo das perdas a função se torna convexa e mais íngreme. Por outro lado, no campo dos ganhos a função é côncava e não tão íngreme.

Estas diferenças nos levam a uma importante conclusão: na teoria do prospecto, uma vez que a função valor para perdas é mais íngreme do que para os ganhos, então as perdas parecem maiores que os ganhos. Por exemplo, a dor de perder R$ 500,00 é maior do que o prazer de ganhar R$ 500,00. Esta diferença de valor dado para ganhos e perdas que não é possível de ser obtida por meio da TUE.

A teoria do prospecto prediz que as preferências dependerão da forma pela qual o problema está estruturado. Além disso, uma das contribuições mais importantes da teoria do prospecto foi a inclusão do conceito de ponto de referência na análise do valor de determinado bem.

Se o ponto de referência é definido de tal forma que o resultado seja visto como um ganho, então a função valor será côncava e os indivíduos apresentarão um comportamento de maior aversão ao risco. Por outro lado, se o ponto de referência é visto como uma perda, então os indivíduos se comportarão com uma maior propensão ao risco e a função valor será convexa.

Função valor

A teoria do prospecto possui a chamada “função valor”, a qual representa o valor que os indivíduos atribuem para determinados níveis de ganhos ou perdas. Conforme Kaustia (2010), a forma geral da função valor da teoria do prospecto é dada por:

    \[v(x)=\begin{cases}x^{\alpha}&\mbox{se }x\ge0 \\ -\lambda(-x)^{\beta}&\mbox{se }x<0 \end{cases},\]

sendo que x é o ganho em relação a um ponto de referência, \lambda é o coeficiente para a aversão à perdas, \alpha é o coeficiente para aversão ao risco e \beta representa o coeficiente da propensão ao risco. Através de experimentos, Tversky e Kahneman (1992) estimaram os seguintes valores para cada um dos coeficientes: \lambda = 2,25, \alpha = 0,88 e \beta = 0,88. Além disso, o valor que um indivíduo atribui a um prospecto é dado por:

    \[Valor\quad do\quad prospecto=\int _{ -\infty }^{ +\infty }{ v(x)f(x)dx, }\]

Expressa graficamente, a função valor possui o seguinte formato:

Das duas figuras acima, a letra (b) apresenta a função com os mesmos parâmetros apresentados inicialmente por Kahneman e Tversky (1979).

Características da teoria do prospecto

Entre as características da teoria do prospecto, podemos elencar três que estão entre as mais abordadas pela literatura: dependência de um ponto de referência, a saturação da percepção de ganhos e perdas e a aversão à perdas (Kahneman e Tversky, 1979). Estes três pontos serão abordados a seguir.

Ponto de referência

A dependência de um ponto de referência mostra que um indivíduo avalia as consequências, sejam elas monetárias ou não, a partir de um determinado nível que serve como padrão, geralmente este ponto é o status quo, isto é, a inércia.

Em termos de decisões de investimentos, o ponto de referência para um indivíduo pode ser o preço médio de compra de um ativo, o preço máximo ou mínimo atingido durante o período no qual o indivíduo esteve com o ativo em carteira, pode ser uma determinada variação percentual em relação a um índice de mercado, o preço médio de compra corrigido pelo ativo livre de risco entre outros.

O ponto de referência dependerá das preferências de cada indivíduo e também do contexto. Sendo assim, ganhos e perdas não estarão necessariamente vinculados aos conceitos de lucro ou prejuízo, mas sim a uma relação positiva ou negativa com o ponto de referência.

Saturação da percepção de ganhos / perdas

O segundo aspecto importante da teoria do prospecto diz respeito à saturação da percepção de ganhos e perdas. Em outras palavras, a função valor da teoria do prospecto afirma que os indivíduos atribuem percepções decrescentes do retorno, tanto para ganhos quanto para perdas.

Os termos \alpha e \beta da função valor da TP capturam a redução marginal da função. Estudos empíricos têm estimado que \alpha e \beta são normalmente iguais a 0,88 e sempre menores que 1 (Tversky e Kahneman, 1992; Barberis et al., 2001; Kaustia, 2010).

Supondo que \alpha e \beta possuam o mesmo valor, se este valor for menor que 1, a curva irá acelerar negativamente; se for igual a 1 a função será linear, exceto se \lambda for diferente de 1; e se for maior que 1 ela irá acelerar positivamente.

Aversão à perdas

O terceiro aspecto relevante é a aversão à perdas, que explicaria o fato de a função valor ser mais íngreme para as perdas do que para os ganhos. Na função valor da TP o coeficiente \lambda representa esta propensão ao risco no domínio das perdas que, segundo a teoria do prospecto, seria fruto da aversão à perdas.

O valor canônico de \lambda=2,25 indica que, se \alpha = \beta, então as perdas possuem um impacto 2,25 vezes maior do que os ganhos. Se \lambda = 1,00 então os ganhos possuem o mesmo impacto que as perdas. Se \lambda < 1,00, então os ganhos possuem um impacto maior do que as perdas (Barberis et al., 2001).

Considerações

Enquanto a teoria da utilidade esperada é tratada como um modelo normativo / prescritivo, a teoria do prospecto possui um caráter descritivo / positivo, por mostrar como os indivíduos de fato se comportam e não como eles deveriam se comportar (Shefrin, 2010).

Conforme Hastie e Dawes (2010), a teoria do prospecto é a descrição mais abrangente em relação ao processo de tomada de decisão, pois sintetiza vários séculos de observações empíricas e inferências a respeito do comportamento humano diante de decisões. Além disso, a TP forneceu novas perspectivas e tem servido de fomento a novos métodos de previsão do comportamento humano.

Referências

Barberis, N., Huang, M., & Santos, T. (2001). Prospect theory and asset prices. Quarterly Journal of Economics, 116(1), 1–53.
Bernoulli, D. (1954). Exposition of a new theory on the measurement of risk. Econometrica, 22(1), 23–36.
Friedman, M., & Savage, L. J. (1948). The Utility Analysis of Choices Involving Risk. Journal of Political Economy, 56(4), 279.
Hastie, R., & Dawes, R. (2010). Rational Choice in an Uncertain World: The Psychology of Judgment and Decision Making (2nd ed., p. 392). Pittsburgh: SAGE Publications.
Kahneman, D. (2012). Rápido e devagar: duas formas de pensar (p. 607). Rio de Janeiro: Objetiva.
Kaustia, M. (2010). Prospect theory and the disposition effect. Journal of Financial and Quantitative Analysis, 45(3), 791–812.
Kahneman, D., & Tversky, A. (1979). Prospect theory: An analysis of decision under risk. Econometrica, 47(2), 263–291.
Shefrin, H. (2010). Behavioralizing finance. Hanover: Now Pub.
Tversky, A., & Kahneman, D. (1992). Advances in Prospect Theory: Cumulative Representation of Uncertainty. Journal of Risk and Uncertainty, 5(4), 297–323.
Von Neuman, J., & Frechet, M. (1953). Communication on the Borel Notes. Econometrica, 21(1), 124–127.