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Manter o status quo: o estado atual das coisas

Manter o status quo significa não fazer nada, ou simplesmente deixar as coisas como estão. Nas decisões que tomamos diariamente quase sempre existe uma opção que carrega a possibilidade de deixar as coisas como estão.

O que é o viés do status quo?

Seguir a política habitual da empresa, eleger um candidato à reeleição, comprar sempre a mesma marca de determinado produto ou permanecer no mesmo emprego são alguns exemplos de decisões nas quais se opta pela alternativa que contém o status quo.

Kahneman, Knetsch e Thaler (1991) afirmam  o ser humano possui uma forte tendência a manter o status quo, pois as desvantagens de sair da posição atual parecem muito maiores que as vantagens.

Sobre este aspecto:

“As desvantagens de uma mudança assomam como maiores do que suas vantagens, induzindo a um viés que favorece o status quo (Kahneman, 2012).”

Em uma importante pesquisa, Samuelson e Zeckhauser (1988) aplicaram questionários para diferentes grupos de pessoas. Em certo grupo as questões do questionário possuíam uma alternativa chamada de status quo, sendo que ao marcar esta opção o indivíduo indicava que preferia não alterar seu estado atual elucidado pelo enunciado. Marcando qualquer das outras opções ele indicava a escolha por algo novo. Para outro grupo, as mesmas alternativas foram apresentadas, porém, nenhuma possuía a característica de status quo. Os autores perceberam uma forte inclinação dos participantes a escolherem a alternativa que continha o status quo, mesmo com a questão abordando situações simuladas.

Além dos questionários, Samuelson e Zeckhauser (1988) também observaram a implantação de um novo plano de saúde para os professores na Universidade de Harvard. Perceberam que novos professores em geral optavam pelo plano novo, enquanto os antigos raramente preferiam mudar o plano que possuíam.

Manter o estado atual, por si só, não implica necessariamente em algo ruim. O ponto é que os indivíduos aceitam muito risco a fim de manter certo status quo. Dessa forma, as pessoas cometem erros na definição de probabilidades para os eventos futuros, influenciados pela tendência a deixar as coisas como estão.

O estado atual serve como um ponto de referência. Um indivíduo mediano tende a apresentar maior interesse nas alterações de sua riqueza baseadas em um determinado ponto de referência do que no estado final dessa riqueza.

Efeito Dotação: “o que é meu é melhor”

De forma relata ao viés do status quo, o efeito dotação é um padrão no qual as pessoas exigem mais para desistir de um objeto do que estariam dispostas a pagar pelo mesmo.

Este efeito é considerado uma anomalia em relação à teoria econômica neoclássica, na qual o valor que uma pessoa se dispõe a pagar por um bem é o mesmo que ela estaria disposta a receber em troca por um bem que já possui.

Knetsch e Sinden (1984) realizaram experimentos a fim de verificar se existe discrepância entre o valor aceitável por um indivíduo para pagar por um bem que não possui (Willingness To Pay – WTP) e o valor aceitável para vender este mesmo bem (Willingness To Accept – WTA), considerando que a pessoa já o possui. Os autores encontraram uma forte diferença entre WTP e WTA, tendo sido a segunda significativamente maior que a primeira. Ou seja, os indivíduos subavaliam um bem que não é de sua propriedade e supervalorizam um bem que já possuem.

De modo complementar, Kahneman, Knetsch e Thaler (1990) concluíram, através de diversos experimentos, que a WTA (disposição para aceitar) foi expressivamente superior à WTP (disposição para pagar). Os autores distribuíram alguns bens de baixo valor em seus experimentos e analisaram como os indivíduos se comportaram ao negociarem estes bens.

Em um dos experimentos realizados por Kahneman, Knetsch e Thaler (1990), metade das pessoas participantes receberam canecas, cujo valor real de mercado era de $ 6,00, e a outra metade não. Aqueles que não receberam canecas poderiam escolher, em um questionário, entre levar dinheiro para casa ou fazer uma oferta para comprar as canecas dos demais participantes. Por outro lado, os participantes que receberam as canecas também poderiam escolher entre levar as canecas para casa ou vender para os demais participantes sem caneca e levar o dinheiro para casa. O que os autores perceberam foi que aqueles indivíduos que recebiam as canecas davam mais valor a elas do que aqueles indivíduos que não as tinham. Em média, aqueles que possuíam a caneca desejavam um valor de $ 7,12 para se desfazerem do bem. Já aqueles que não possuíam bens, ofereceram em média $ 3,15 pelas canecas.

Nos estudos que procuram identificar a presença do efeito dotação, geralmente é possível também observar a preferência por manter o status quo, como no exemplo das garrafas de vinho citado por Kahneman, Knetsch e Thaler (1991). Neste exemplo, um indivíduo teria comprado algumas garrafas de um determinado vinho que se valorizaram bastante com o tempo. Em determinado momento, este indivíduo não está disposto a comprar mais garrafas por achar que elas estão muito caras e nem está disposto a vender suas garrafas por achar que o preço ainda pode subir mais. O fato de o indivíduo não vender e nem comprar outras garrafas pode ser explicado por ele valorizar mais os bens que são de sua propriedade (efeito dotação), mas também por uma tendência a manter o estado atual, que gera preconceitos contra comprar ou vender mais garrafas (status quo).

Um outro exemplo é o de um indivíduo que compra antecipadamente um ingresso para ir a um determinado show. Supondo que o preço do ingresso aumente conforme o dia do evento se aproxima, seria racional que este indivíduo vendesse seu ingresso para auferir o lucro. Porém, dificilmente esta pessoa irá vender o ingresso, pois ela não percebe aquele show como um valor de troca, mas sim como um valor de uso.

Pelo teorema de Coase, as pessoas deveriam se desfazer dos bens sempre que fosse mais vantajoso em termos econômicos. No entanto, através de experimentos como os citados é possível perceber que os seres humanos não se comportam de forma racional o tempo todo.

O papel da aversão à perdas

Alguns vieses comportamentais, como o efeito dotação e o viés do status quo, podem ser explicados com base na aversão a perdas (loss aversion).

A aversão a perdas é representada pela diferença positiva entre o preço que um indivíduo está disposto a receber para desistir de certo item e o preço que este indivíduo está disposto a pagar pelo mesmo item (Thaler, 1980).

Muitas das escolhas feitas sob risco não estão baseadas em riquezas ou bem-estar, mas em mudanças de um ponto neutro de referência para outro. Dessa forma, o papel da aversão a perdas reflete em uma falta de motivação para se desfazer de determinado bem.

Considerações

A ideia central deste texto foi discutir como, em média, somos afetados pela tendência em manter a situação atual das coisas (status quo). Além disto, este comportamento está fortemente relacionado com outro viés decisório que possuímos: a tendência de sobreavaliar bens próprios e subavaliar bens alheios (efeito dotação). Cabe ressaltar que o ponto prejudicial destes comportamentos reflete em uma má percepção e estimativa dos riscos das decisões que tomamos.

Para finalizar, seguem algumas citações do livro Rápido e Devagar, de Daniel Kahneman…

Todo mundo conhece alguém para quem gastar é algo doloroso, embora a pessoa seja objetivamente bem de vida. [p. 372]

O efeito dotação não é universal. Se alguém lhe pede para trocar uma nota de cinco dólares por cinco de um, você entrega as cinco sem nenhuma sensação de perda. [p. 366]

Estudos recentes da psicologia da “tomada de decisão em condição de pobreza” sugerem que os pobres são outro grupo em que não se espera encontrar o efeito dotação. Ser pobre, na teoria da perspectiva, é viver abaixo do próprio ponto de referência. Há bens que os pobres precisam e que não podem adquirir, de modo que estão sempre “no prejuízo”. Pequenas quantias de dinheiro que recebem são assim percebidas como redução de prejuízo, não como ganho. [p. 372]

Referências

Kahneman, D., Knetsch, J., & Thaler, R. (1990). Experimental tests of the endowment effect and the Coase theorem. Journal of Political Economy, 98(6), 1325–1348.
Kahneman, D., Knetsch, J., & Thaler, R. (1991). Anomalies: The endowment effect, loss aversion, and status quo bias. Journal of Economic Perspectives, 5(1), 193–206.
Kahneman, D. (2012). Rápido e devagar: duas formas de pensar (p. 607). Rio de Janeiro: Objetiva.
Knetsch, J., & Sinden, J. (1984). Willingness to pay and compensation demanded: Experimental evidence of an unexpected disparity in measures of value. Quarterly Journal of Economics99(3), 507–521.
Samuelson, W., & Zeckhauser, R. (1988). Status quo bias in decision making. Journal of Risk and Uncertainty, 1(1), 7–59.
Thaler, R. (1980). Toward a positive theory of consumer choice. Journal of Economic Behavior and Organization, 1(1), 39–60.