A partir do mainstream da economia neoclássica surgiram críticas a algumas premissas impostas por esta abordagem, como por exemplo a premissa de racionalidade dos agentes econômicos, bem como a ideia de que os agentes sempre buscam maximizar o retorno e reduzir o risco.
A área das finanças comportamentais começou a ganhar força a partir do final da década de 1970, principalmente por meio dos trabalhos dos psicólogos Daniel Kahneman e Amos Tversky. Contudo, para que o campo das finanças recebesse a introdução de uma abordagem comportamental com foco na compreensão do comportamento real dos agentes foi necessária uma construção teórica a priori.
Traços comportamentais têm sido incluídos em análise econômicas e financeiras há bastante tempo, porém com algumas limitações. Um conceito central para o desenvolvimento do atual campo das finanças comportamentais, de muita relevância no estudo do comportamento do investidor, é a ideia de utilidade, a qual será brevemente explorada seguir.
Utilitarismo e a utilidade esperada
No século XVIII a economia foi marcada por importantes trabalhos que, conjuntamente, serviram de base para a construção do conceito de utilidade. Jeremy Bentham, em “Princípios da Moral e da Legislação”, publicado inicialmente em 1789, afirma que o ser humano é dominado por dois senhores, sendo eles (i) a dor e (ii) o prazer. O princípio da utilidade refere-se à sujeição do ser humano a estes dois senhores.
Bentham (1789) acreditava que a utilidade em termos de prazer e dor poderia ser medida numericamente em uma escala única. Além do mais, a utilidade poderia ser mensurada considerando a intensidade, duração e grau de certeza de prazer ou dor. O conceito de utilidade está relacionado com uma propriedade que existe em qualquer coisa. Propriedade esta que proporciona benefício, vantagem, prazer, bem-estar ou felicidade, sempre buscando evitar a ocorrência do contrário (dano, dor, mal ou infelicidade). Para o autor, existem quatro fontes do prazer e da dor: fonte física, fonte política, fonte moral e fonte religiosa. A utilidade de Bentham diz respeito à tendência de um objeto ou de uma ação em aumentar ou reduzir a felicidade. Através do princípio da utilidade, somado à lógica, aritmética e evidência experimental, Bentham (1789) tentou deduzir todos os princípios morais e legais.
Daniel Bernoulli (1700-1782) também foi de fundamental importância para o desenvolvimento do utilitarismo. Na verdade, Bernoulli desenvolveu seus trabalhos antes de Jeremy Bentham. Inclusive, é possível que Bernoulli tenha influenciado Bentham. No entanto, algo que difere o conceito de utilidade apresentado por ambos é que Bernoulli (1954) apresenta uma abordagem mais voltada à probabilidade. Conforme Bernoulli (1954), a utilidade está relacionada com preferências em tomadas de decisões que envolvam resultados incertos. É uma hipótese que afirma que, se certas condições forem satisfeitas, então o valor subjetivo associado a uma determinada decisão sob incerteza é uma esperança estatística da avaliação do indivíduo para determinados resultados possíveis.
Um exemplo demonstrado por Bernoulli é o Paradoxo de São Petersburgo. Digamos que um indivíduo esteja diante das seguintes possibilidades de escolha:
- Ganhar R$ 1.000,00.
- Jogar uma moeda justa por $N$ vezes. O indivíduo receberá a quantia de R$$2,00^N$, considerando que $N$ representa a primeira vez que o indivíduo jogou e a moeda caiu como “cara”. Se o resultado for “cara” na primeira jogada, então o indivíduo não recebe valor algum.
Este exemplo simula uma situação na qual um indivíduo poderá receber uma certa quantia em dinheiro por jogar “cara ou coroa” com uma moeda. Se a primeira vez que o indivíduo jogar e a moeda cair como “cara” for apenas na quarta tentativa, então o montante recebido será de R$16,00. O ponto principal deste paradoxo é que a opção B possui esperança infinita em termos de ganhos possíveis. No entanto, a maioria dos indivíduo opta pela opção A. Sendo assim, Bernoulli (1954) demonstra a diferença existente entre utilidade e dinheiro.
Posteriormente, o utilitarismo permeou a economia através de autores como John Stuart Mill e Alfred Marshall, representando alguns dos principais frutos do pensamento positivista na economia. Mill contribuiu com o utilitarismo ao refinar a definição de utilidade, argumentando que prazeres intelectuais e morais são superiores aos prazeres físicos.
Marshall, (1982) – publicado inicialmente em 1890 – por sua vez, comenta que não se mede o valor real das coisas para um homem pelo preço que se paga por elas. O exemplo dado pelo autor para exemplificar esta afirmativa diz respeito aos preços do sal e do chá. O sal, apesar de possuir um preço inferior ao do chá, é muito mais importante na vida do ser humano. Sendo assim, o sal possui uma alta utilidade total, mas uma baixa utilidade marginal (pois é abundante). O mesmo exemplo pode ser dado substituindo o chá e o sal pelo diamante (supérfulo, caro e escasso) e a água (essencial, barata e abundante), respectivamente.
Neste contexto a teoria da utilidade surgiu como uma proposta de definir um padrão de comportamento dos agentes econômicos. Ao definir um padrão de comportamento seria possível criar modelos que explicassem os fenômenos econômicos, seguindo uma lente positivista. Marshall possuía formação em matemática e era especialista em economia política. Sendo assim, procurou desenvolver o lado matemático da teoria econômica, insclusive sendo considerado como um dos presursores da hoje chamada Econometria (Marshall, 1982).
Von Neumann e Morgenstern (1945), com base no trabalho de Bernoulli (1954), estabeleceram uma das bases das finanças modernas ou neoclássicas com o desenvolvimento da Teoria dos Jogos. Durante a década de 50 a economia foi bastante influenciada por esta teoria, que tem como pressupostos implícitos de que o mercado é eficiente e os agentes econômicos possuem racionalidade ilimitada.
Von Neumann e Morgenstern (1945) questionam a noção matemática tradicional de trabalhar com jogos de escolhas (ou decisões sob risco), que possui como premissa de que as escolhas deveriam ser feitas com o propósito de maximizar o valor esperado. O valor esperado de uma aposta é obtido através da multiplicação dos resultados possíveis pelas suas respectivas probabilidades. Contudo, a premissa de que as pessoas se comportam de acordo com a abordagem de valor esperado não era refletida na realidade. Sendo assim, na teoria da utilidade esperada as pessoas buscam maximizar sua utilidade esperada, e não o valor esperado de um bem. Dessa forma, o conceito da palavra utilidade diz respeito a tudo o que as pessoas querem alcançar e respeita a diversidade dos objetivos humanos. É um valor subjetivo, e valores subjetivos variam de pessoa para pessoa.
Na economia, teoria dos jogos e teoria da decisão, a teoria da utilidade esperada se refere a uma hipótese de que determinados pressupostos são satisfeitos. Além disso, o valor subjetivo que um indivíduo associa a uma aposta é uma esperança estatística de quais são suas expectativas. A utilidade esperada é diferente do valor esperado, ou seja, enquanto o valor esperado leva em consideração apenas os tamanhos dos recebimentos possíveis e suas respectivas probabilidades, a utilidade esperada inclui um valor subjetivo, que diz respeito à percepção do agente em relação a determinado recebimento possível. O termo inicial dado à utilidade esperada foi “esperança moral”, em contraste ao termo “esperança matemática”, tendo sido sugerido por Bernoulli (1954).
A teoria da utilidade esperada (TUE) apresentou uma enorme inovação por inserir a utilidade nas análises econômicas e financeiras. Porém, o que faltou na teoria de Bernoulli (1954) foi a inclusão de um ponto de referência.
Podemos supor que dois indivíduos possuem R$ 500 mil. Pela TUE ambos deveriam apresentar o mesmo grau de satisfação / felicidade. Contudo, se o primeiro indivíduo tinha R$ 1 milhão e recentemente perdeu R$ 500 mil e o segundo indivíduo tinha R$ 1 mil e ganhou R$ 499 mil, é claro que o segundo indivíduo apresentará um grau de satisfação muito maior que o primeiro.
A TUE engloba o conceito de homo economicus, o qual assume como premissas de que o tomador de decisões conhece todas as opções e resultados possíveis na decisão a ser tomada, percebe diferenças sutis existentes entre as opções e age de forma totalmente racional com relação à escolha das opções disponíveis (Sternberg; Mio, 2009).
A TUE foi fortemente difundida e serviu de base para o desenvolvimento de outras teorias na economia e também nas finanças, como a regra de Média/Variância desenvolvida por Harry Markowitz, o Modelo de Apreçamento de Ativos de Capital (CAPM), proposto por William Sharpe, entre outros. Contudo, Kahneman e Tversky (1979) afirmam que a TUE não prevê com exatidão como os tomadores de decisão avaliam as opções de escolha, principalmente quando se fala em decisões que envolvam perdas. Desta forma, com base nas críticas à TUE, Kahneman e Tversky (1979) apresentaram um modelo alternativo a esta teoria, o qual chamaram de Teoria do Prospecto, que será discutida posteriormente.